Caxirola: os negócios da Copa, inovação e o neocolonialismo corporativo
Faço um breve comentário em reação à uma notícia veiculada no Estado de S.Paulo neste domingo (29.04.2013, p.B11): “Brasil quer emplacar a caxirola como herdeira da vuvuzela”. No artigo temos bons indicadores do atual modelo brasileiro de desenvolvimento e inovação.
Seguindo o exemplo das vuvuzelas de plástico, utilizadas na Copa da África do Sul, o governo quer lançar um instrumento símbolo da sua copa.
O músico Carlinhos Brown criou as caxirolas, inspiradas no ancestral caxixi. Segundo a reportagem as caxirolas “foram chanceladas pelo Ministério dos Esportes e pela Fifa como instrumento oficial das Copas as Confederações e do Mundo”.
Este é nosso modelo de inovação! “Chancelada” e “oficial” significa que tanto o governo quanto a Fifa (que atualmente tem superpoderes de governo transnacional) conferem o direito de monopólio de exploração comercial de certos produtos por eles selecionados como símbolos (marca) Copa. Em termos econômicos, funciona de maneira assemelhada a uma patente industrial. Porém, com possibilidades de ganhos ampliados, pois trata de bens imateriais e culturais. No caso da caxirola, somente a empresa mutinacional (conforme a reportagem) The Marketing Store poderá fabricá-la e distribuí-la. A matéria-prima das caxirolas é um tipo de plástico “verde” feito a base de cana-de-açucar será fornecido por uma empresa específica (Brasken).
Com isso, qualquer outro fabricante e comerciante de produtos assemelhados à caxirolas, diferente daqueles escolhidos para este consórcio, poderão ser eventualmente tipicados como “falsificadores” ou “piratas”. Estamos diante das novas capitanias hereditárias da economia do conhecimento. Não é novidade a maneira como a Fifa, em época de Copas, pressiona os governos nacionais pela aprovação de legislações específicas sobre o regime de propriedade intelectual, bem como leis de exceção que deverão vigorar durante o período dos jogos.
Por fim, as empresas deverão pagar a Carlinhos Brown um valor ainda não definido referente aos royalties da invenção (sabe-se lá porque razão foi o projeto de Brown o que fora eleito). Vemos aí um exemplo do novo tipo de cercamento que agora vem colonizar e monetarizar o mundo livre da cultura. Os novos empresários e gerentes da cultura capturam e redesenham aquilo que pertencia a todos como um bem comum. Em seguida, mediante sua inserção em circuitos econômicos-jurídicos específicos transforma-o em matéria rara, bem escasso, e como propriedade privada adquirem o direito de monopólio sobre sua exploração comercial. Num instante, todo uma cultura ancestral difusa e integrada à vida social se objetifica como “inovação” que pertence a poucos. Brinquei com um amigo: “tome cuidado ao levar seu caxixi para os jogos da copa! Ele pode ser confiscado por pirataria e seu mestre de capoeira enquadrado como falsificador!”
Não seria o caso de colocarmos este modelo de pernas para o ar? Se o governo esta interessado em criar um símbolo, bem poderia indicá-lo e deixa-lo livre, como são os símbolos, ao invés de transforma-lo em propriedade privada. Esta seria uma alternativa de redução desta situação absurda, mas ainda dentro de um modelo econômico que se preocupa com o PIB. Diversas fabricantes nacionais poderiam produzi-lo, diversos comerciantes locais poderiam distribuí-lo e aquelas corporações interessadas em fazer o produto circular em “outras esferas” (produtos especializados para consumidores endinheirados) poderiam recolher uma taxa específica cujos recursos poderiam ser destinados ao apoio de milhares de escolas de capoeira e grupos culturais espalhados pelo País.