Cultura hacker, comunidades de prática e criação política
Nas últimos 24hs vivi duas experiências, no uso de tecnologias digitais, que reforçam um sentimento sobre a contribuição simultaneamente cognitiva e política dos hackers. Ontem acompanhei uma oficina sobre instação de linux em tablets condiderados obsoletos; e hoje tive que mergulhar no mundo de tutoriais, wikis e fóruns para resolver um bug num arquivo de texto que quase destruiu um trabalho realizado.
Em ambas situações, a questão do acesso ao conhecimento é fundamental. As dificuldades técnicas para vencer as limitações e bloqueios de hardware, os saberes necessários para construir programas alternativos e retomar, de alguma forma, nosso controle sobre os dispositivos que utilizamos, e minimizar os efeitos da obsolescência programada ou o poder das grandes corporações. Tudo isso só é possível porque há muita gente que luta diariamente pela direito à informação e ao conhecimento livre. Neste fazer, compreende-se rapidamente as forças em jogo e toda a economia politica envolvida na produção das máquinas e softwares que utilizamos no dia a dia.
Neste universo, destaca-se com frequência como os hackers detém ou produzem um conhecimento e uma expertise que lhes permitem agir na contra-corrente daquilo que estava previamente “programado”. A criação de contra-saberes faz parte do desenvolvimento de contra-condutas.
Porém, a despeito da importância dessa expertise, talvez a principal potência de sua cultura, e penso que aí reside uma inovação política, é o fato de que os objetivos que eles pretendem realizar são indissociáveis da criação e manutenção dos meios que sustentam suas ações.
A produção de wikis, fóruns de discussão, disponibilização e organização voluntária de informações em documentação pública, é toda uma economia apoiada em valores e princípios éticos e políticos. Esse modo de conhecer e as práticas de investigação e compartilhamento que a caracterizam, também necessitam de máquinas, cabos, servidores web, aplicativos e serviços, acesso à rede etc, que funcionem sob determinadas condições para que este modo de conhecer (que é também um modo de produzir comunidade) possa acontecer.
Em resumo, para ter acesso ao conhecimento, em especial conhecimento que “faz diferença”, é preciso criar toda uma infraestrutura e uma comunidade que a sustente. Neste caso, a ação e realização de um objetivo depende de uma prática que por sua vez apoia-se na existência de certas condições materiais e simbólicas. É um bom exemplo de como um comunidade de práticas é simultaneamente uma comunidade epistêmica e política.
Chris Kelt fala dessa característica das comunidades de software livre em termos de uma propriedade recursiva. Ao mesmo tempo que a comunidade age para realizar seus objetivos ela vai modificando o meio em que atua para criar melhores condições para a continuidade de suas ações, ela aprender e também se modifica.
Aqui, meios e fins são indissociáveis na prática. É por isso que gosto de pensar nessas comunidades de prática como um exemplo de uma mesopolítica. Elas atuam concretamente no cotidiano aparentemente micro da reprodução social, mas sem perder de vista a dimensão macro; uma política que se realiza “através” ou “pelo meio”.