Mídias, ruas e narrativas
Assim como em junho de 2013, não é mais possível analisar os protestos e seus sentidos sem ter os pés, olhos e ouvidos em diferentes espaços simultaneamente. O que acontece no espaço físico da rua é indissociável do que ocorre na esfera comunicacional.
Novamente, assistimos a uma acirrada disputa pela narrativa dos fenômenos e a emergência de dinâmicas que visam direcionar e reduzir expressões diversas de descontentamento para sistemas binários de oposição, onde, inevitavelmente, a batalha é facilmente ganha por aqueles capazes de hegemonizar sua versão dos fatos. Tal processo é acompanhado pela destruição da política como resultado da ação identitária (minha visão de mundo é melhor, é mais verdadeira do que a sua) de grupos forjados na pura emoção. Receita fácil para fascismos diversos.
O problema é mais grave quando a comunicação em redes digitais (celular+internet) é capturada, selecionada, editada e retransmitida por meios de comunicação de massa (TV, radio e grandes jornais e revistas) cujo controle e propriedade são absurdamente concentrados. A produção distribuída do cidadão na ponta do celular, mediada e retransmitida de maneira centralizada pelo grandes aparatos de mídia é capaz de produzir qualquer realidade. Os levantes da primavera árabe não foram feitos só de internet, mas de lutas no asfalto com transmissão centralizada pela Aljazeera.
É por isso que não basta ir às ruas, mesmo com uma multidão. É preciso também disputar as interpretações e desafiar as narrativas estabelecidas pelos grandes veículos de comunicação. E não falo só da TV e dos grandes jornais. Ambientes como o Facebook, cuja natureza é privada e corporativa, funcionam de maneira a reforçar nossas posições iniciais, criando grandes ilhas onde só nos comunicamos com nossos iguais. Há pouco espaço para o contraditório. Ademais, o controle sobre o funcionamento do algoritmo, que determina o que vemos e com quem interagimos, é um negócio bilionário cuja operação pode ser perfeitamente conduzida. Neste sentido, se a internet parecia uma terra livre em seu início, hoje ela está cada vez mais colonizada pelo poder econômico.
Se somarmos a capacidade de concentração e direcionamento do Facebook ao poder de centralização e transmissão massiva das TVs e grandes jornais brasileiros, temos um sistema comunicacional que abarca quase a totalidade dos cidadãos recebendo informações mediadas por grandes corporações.
Onde está a liberdade de comunicação, expressão e pensamento?
Assim, talvez hoje estejamos diante de uma importante encruzilhada.
Nas redes digitais está sendo travado uma guerra comunicacional entre grupos de posições distintas, mas a emissão centralizada das televisões e grande jornais ainda é capaz de produzir o assunto comum no país, e por isso, controlam a agenda política.
Por isso, a luta pela democratização e regulação econômica dos grandes meios de comunicação de massa (tv, radio e grandes jornais) é tão importante quanto a disputa da narrativa política na internet e nas ruas. Tudo ao mesmo tempo agora.