Laboratórios e Algoritmos Encarnados
Em abril de 2017 realizei essa palestra – Laboratórios e Algoritmos Encarnados – no Medialab da UFRJ, coordenado pela Fernanda Bruno. Pretendo transformar essas notas em um artigo, mas como isso pode levar um bom tempo, resolvi já compartilhar por aqui as minhas anotações que utilizei para fazer a palestra. Elas já são praticamente um primeira versão deste futuro texto. Seguindo a premissa hacker na ciência aberta, se desejamos cooperação é preciso liberar o quanto antes o conhecimento. Seguem então as notas, algumas indicações bibliográficas, fotos do dia e logo menos o registro parcial em vídeo da palestra.
Palestra realizada no Medialab – UFRJ – 13 de abril de 2018
Título: Laboratorios, Tecnopolíticas e Algoritmos Encarnados
Uma resposta imediata para a relação laboratórios X algoritmos
exemplos:
-Trackula (baseado no lightbeam)
-Agrega.la
Desafio de pensar outras relações possíves entre laboratórios e algoritmos. Possibilidade de me reconectar com um trabalho de quase 10 anos atrás (doutorado).
Investigação sobre modos de conhecer X tecnologias digitais e política.
Leviatã – como pessoa artificial.
==Contexto==
-crescente digitalização do mundo
-Ciência – convergencia NBIC, conhecimento simulacional
-Capitalismo Informacional, Cognitivo e Financeirização.
-Governo Biopolítico, Sociedade de Controle, Governamentalidade Neoliberal e Algoritmica
*Contexto sociopolítico mais amplo:
Relação entre a emergência de novas:
-formas de produção conhecimento (tecnologias digitais, crise dos modelos centrados no sistema de expertise, emergencia de novos atores cognitivos, ciencia aberta, ciencia cidadã…).
X
-forma de exércicio do poder (mutações e crise nas instituições democráticas, sociedade de controle, mas também as novas formas de resistência e ativismo).
Abertura e Controle
Novas formas de governo: Ciencia cidadã X Cidadãos inteligentes X Cidades Inteligentes
Graças à crescente digitalização e mediação das tecnologias cibernéticas, a expansão do codificável infiltra-se nos ínfimos interstícios da vida individual e coletiva. Com a indicialidade e rastreabilidade da interação digital, surgem novos modos de conhecer: as ciberciências, o conhecimento simulacional, a estatística preditiva, a modulação existencial. Foucault descreveu o surgimento dos saberes populacionais e a biopolítica; Deleuze anunciou a sociedade de controle. É sobre essas camadas que Antoinette Rouvroy descreve a nova governamentalidade algorítmica. No Brasil, Fernanda Bruno, Sergio Amadeu e outros pesquisadores da LAVITS examinam o mesmo problema em termos dos regimes de visibilidade, controle e economia da vigilância.
No terreno da economia, o capitalismo informacional cria formas de extração e converte a livre interação e colaboração em rica fonte de valor. Os novos saberes e sua economia desenvolvem-se sobre o comum que produzimos de forma transindividual: simultaneamente na dimensão infraindividual (os rastros e índices da expressão pré-individual) e supraindividual (dados agregados, os perfis potenciais). Por isso, é um saber e um poder que está para além do indivíduo e da população. O conhecimento simulacional gera técnicas de modulação do ambiente de forma a alterar o horizonte dos possíveis, modificando o campo probabilístico para a ação futura, e tudo de maneira doce e imperceptível (ou sem fricção, nos termos da tecnofilia do Vale do Silício).
==Conhecimento Simulacional e Algoritmos==
[Imagens HFT]
[Discussão a partir de Herminio Martins]
3 estágios ou tipos de pesquisa empírica, 3 formas de se fazer ciencia empírica.
I-ciencias ou sciencing in vivo: estudar seres naturais no “mundo selvagem”, com ou sem instrumentos especiais.
II-ciencias ou sciencing in vitro: estudar os seres naturais no laboratório (wet labs), para observação detalhada, experimentação física de forma controlada.
III- sciencing in silico: e-sciences, cybersciences: estudo dos processos, mecanismos e dinamicas de entidades naturais, culturais, através da simulacao computacional (dry labs).
Com as ciências do silicio, amplia-se enormemente a quantidade de “objetos” que podem ser tratados cientificamente.
Antes, a observaçao se limitava a tudo que podia ser acessível via experiencia sensorial.
Agora, tudo que é passível de simulação torna-se “observável”.
Depreciaçao e abondono do conhecimento observacional ou historico-natural, etnociencia, folk psychology, experiencias “mao-na-massa”…
Artificializacao + simulacao = substituem experiencia.
Simulação – ao antecipar, acaba por determinar o real.
Simulação – acaba por substituir a experiência.
Depreciação do conhecimento prático, observacional, experimental….
Essas dinâmicas fazem parte de um amplo processo social, descrito por Virilio (2002) como o deslocamento espaço-temporal da disputa política em direção ao virtual. Nesta perspectiva, as intervenções no “presente” visam a obter o controle sobre o que existe “potencialmente” (em estado virtual). A guerra muda de lugar! Neste contexto, os conflitos comunicacionais buscam não apenas o convencimento e a legitimação das ações em curso, mas sobretudo, o controle das imagens mentais e do pensamento do outro. Trata-se, portanto, de uma intervenção também dirigida à imaginação e ao desejo, territórios virtuais por excelência
Com a mediação das tecnologias digitais isso é amplamente feito através dos algoritmos => Facebook.
Perfil potencial
Algoritmos: Exemplo: mercado financeiro HFT
==Ciborgue Epistêmico==
[imagens Quantified self]
[Discussão a partir de Herminio Martins]
Projeto Trans-humanista: vinculado à extensão das ciências cibernitizadas da vida, da mente e do cérebro, e à permeação do nosso modo de pensar por uma metafísica informacional. Trata-se de uma perspectiva que aponta o sucessor legítimo do homo sapiens como sumidade cognitiva, cujo veículo seria um ente pós-biótico.
Ciborgs Epistêmicos: aumentar ao máximo as capacidades cognitivas dos nossos sentidos antigos e novos, com a substituição gradual dos nossos órgãos sensoriais e dos nossos membros por sensores efectores electromecânicos.
OGM – organismos geneticamente modificados.
HGM – humanos geneticamente modificados.
Maximização do conhecimento tecnocientífico como fim último e exclusivo.
O que está em jogo é a Emergência de um novo Sujeito Epistêmico Desencarnado, que poderá deixar a Terra, já esgotada cognitivamente, para continuar a Tarefa Comum de expansão infinita do conhecimento.
Experimentum Humanum – o Homem-como-Experimento em duas versões:
-Megalantropia, de amplificação sem limites dos poderes naturais do Homem.
-Trans-humanistas, misantropia ontológica radical, para superar o Humano.
3 Estágios do Progresso Universal Ciborg:
-homem biológico comum + aquisição de próteses.
-interface cérebro-máquina e modificação tecnológica do sistema nervoso central.
-desencarnação e passagem ao ens virtualissimum = pós-humano.
Bionic senses: sentidos bionicos: torna-los a interface primária da relaçao humano-mundo externo.
==RESISTÊNCIA E ALTERNATIVAS==
Pensar a resistência à sociedade de controle => poder protocolor e imperial
**Resistencia: sensuismo (distinto de sensualismo), preservar a sinestesia, kineostesia.
**Modos de composição com a tecnologia – ao invés do projeto trans-humanista, o manifesto ciborgue da Haraway (anos 80), e hoje as formas de composição humano-máquina que apontam para outras cosmologias, outras forma de viver coletivamente.
Algoritmo Encarnados => como formas de mediação técnica algoritmica corporificadas.
Duas formas de manifestação dessa idéia:
-laboratórios de prototipado => centralidade da experiência e apropriação de tecnologias e algoritmos para “sentidos” ampliados.
-algoritmo encarnado como protocolo social => criação de arranjos sociotécnicos recursivos e reticulares.
==Laboratórios de Prototipado==
[protótipo => conhecimento experiencial como forma de resistência]
No contexto de fortalecimento da sociedade de controle e da governamentalidade algorítmica, o saber que lhes dá sustentação é o conhecimento simulacional. A capacidade de análise e de produção de cenários futuros é um dos principais campos de disputa: Como o mercado vai reagir? Como os eleitores vão se comportar? Como o governo irá modificar uma política?
A política do protótipo intervém aí numa dupla direção: em primeiro lugar um protótipo é um novo artefato, uma nova relação ou arranjo sócio-técnico, e assim ele produz imagens, cenários que modificam o horizonte dos possíveis, interrogando as imagens disponíveis sobre o futuro; em segundo lugar, ao dar centralidade à noção de experiência, ele ativa uma potência corpórea como um importante território de disputa face aos modos atuais de sujeição social e servidão maquínica.
Objetivo: criação de arranjos sociotécnicos recursivos e reticulares.
Essa passagem do protesto para a proposta (Lafuente e outros autores usam esta expressão) também estava presente como política pré-figurativa em movimentos sociais e contraculturais do século passado. Também encontramos isso em alguns movimentos feministas e ecologistas, em algumas iniciativas presentes no início do Fórum Social Mundial e, mais recentemente, em coletivos hackers para autonomia tecnológica, comunidades de práticas de grupos afetados, redes de agroecologia ou de economia social/solidária, moedas sociais… Essas iniciativas são importantes porque produzem formas associativas que sustentam este “comum” (o que por si só é de grande valia num mundo em que o tecido social é destruído pela governamentalidade neoliberal). E para isso elas também criam os arranjos de modo que suas práticas “funcionam” no presente, promovendo outros critérios de eficiência. Porém, isoladamente, essas experiências também têm os seus limites.
==Gramática dos laboratórios==
laboratório o espaço de uma dupla experimentação: um modo de conhecer e um modo de intervir politicamente no mundo.
Funcionam sob um complexo arranjo sociotécnico, simultaneamente simbólico e material, normativo e pragmático.
Em síntese, um laboratório cidadão realiza-se com uma combinação de: abertura; colaboração; cuidado; mediação;
documentação; infraestruturas; tecnologias; protocolos; comunidades e produção
do comum. Trata-se de uma trama com muitas camadas, e para que cada um desses
elementos se efetive ele precisa ser atravessado pelos demais.
Há uma política cognitiva que se manifesta numa ética e num conjunto de práticas e tecnologias relacionadas ao modo de conhecer.
Há uma tecnopolítica que se realiza nas configurações das mediações
técnicas da interação social.
Há uma economia política, relativa ao regime de propriedade, posse e uso dos bens e recursos produzidos.
Há uma política experimental que se realiza através de processos instituintes de novas comunidades.
==Protocolo como Algoritmo Social==
[Imagens = fair coin]
[discussao a partir de Alexander Galloway]
Protocolo Pré-era Digital:
-comportamento correto ou esperado dentro de um sistema específico de convenções.
-etimologicamente: etiqueta de papel colada sobre a frente de documentos;
-Uso comum: sumário dos principais pontos de um acordo diplomático.
Protocolo Era Digital:
-padrão que governa a implementação de uma tecnologia específica.
-convenciona os pontos essenciais que levam a uma ação acordada ou padronizada.
-governa como tecnologias específicas são adotadas, implementadas e como podem ser utilizadas.
Protocolo para cientistas da computação:
-regras convencionais que governam um conjunto de comportamentos possíveis, dentro de um sistema heterogêneo.
-técnica para alcançar regulação voluntária dentro de um ambiente contingente.
Protocolos são altamente formais: ou seja, eles encapsulam informações dentro de um invólucro técnico. Não está muito interessado no conteúdo da informação.
**Protocolo é um sistema de administração distribuída que permite que o controle exista dentro de um meio/ambiente material heterogeneo.
A better synonym for protocol might be “the practical”, or even “the
sensible”. It is a physical logic that delivers two things in parallel:
the solution to a problem, plus the background rationale for why
that solution has been selected as the best. […] Like liberalism,
democracy, or capitalism, protocol creates a community of actors
who perpetuate the system of organization. And they perpetuate it
even when they are in direct conflict with it.(Galloway,2004,p.245).
==Politica do Protótipo==
[imagens = DIY sensor ambientais]
O protótipo é aqui compreendido como expressão da passagem de uma cultura do protesto para uma cultura da experimentação (do protesto á proposta).
Protótipo: prototipar é uma prática que torna o laboratório o espaço de uma dupla experimentação: um modo de conhecer e um modo de intervir politicamente no mundo.
Prototipar como forma de conhecer: significa levar a sério o fato de que todo
processo de produção de conhecimento é também um ato de intervenção no mundo.
Uma pesquisa que se realiza através da criação de um protótipo deve incorporar na sua análise os efeitos e as consequências do que ela está produzindo. É também uma forma de conhecer baseada na indissociabilidade teoria e prática. A noção de experiência ganha força: conheço algo que me acontece; sou partícipe e implicado com este processo de conhecer.
O protótipo é inacabado, aberto, destaque para o processo.
Protótipo e ação política: A realização de um protótipo envolve, primeiramente, a decisão de substituir a adesão a um projeto abstrato de sociedade futura pela decisão de experimentar construir no aqui-agora, sempre parcialmente, aquela mudança que se deseja.[…] É portanto uma política do cotidiano que busca introduzir modificações nas formas de vida existentes. Trata-se de uma ação que reconhece as forças em jogo e objetiva criar uma diferença capaz de resistir e persistir.
Em primeiro lugar, o destaque para uma dimensão experimental e pragmática. O desafio de realização de um protótipo implica em fazer, em criar coisas, criar relações. Ela é tentativa, não tem a pretensão de ser a resposta verdadeira ou a melhor resposta. Ao invés de investir muita energia na definição de fronteiras e categorias políticas abstratas para conceber um programa de ação, ao prototiparmos somos obrigados a compreender como as coisas funcionam no mundo aqui-agora. É uma ação menos orientada ideologicamente (evidentemente há sempre valores envolvidos) e mais prática.
Ao realizarmos o protótipo, novos problemas emergem, a realidade se torna mais complexa, colocamos o protótipo em movimento e aí já podemos experimentar as dificuldades para sua existência no mundo, e assim tornamos mais visível as forças e conflitos em jogo. Ao mesmo tempo, para fazer um protótipo temos que criar uma comunidade, e ao fazer isso aprendemos a caminhar juntos. Pode parecer banal, mas essa habilidade (fazer junto) é um recurso escasso em muitos locais.
No centro da produção do protótipo está a experiência. E digo experiência no sentido forte do termo, “sofrer uma experiência”, “ter uma experiência”, como nos ensina Jorge Larrosa. Ao fazer um protótipo colocamos nossos corpos em ação, e ao fazer isso outros saberes, afetos e poderes entram em cena. O protótipo reforça um sentido de abertura, indeterminação, sujeito à continua transformação. Em resumo, uma política do protótipo é também a passagem de um movimento reivindicativo para um movimento propositivo e pré-figurativo, que experimenta no presente a criação de outros modos de relação e outros mundos possíveis.
Referências:
Henrique Parra:
*https://pimentalab.milharal.org/2018/03/17/do-protesto-aos-arranjos-tecnopoliticos-recursividade-e-reticulacao/
*http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3907
*http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3558
Herminio Martins:
*http://revistas.ulusofona.pt/index.php/respublica/article/view/2398
Fotos do dia:
*https://www.facebook.com/pg/UFRJ.MediaLab/photos/?tab=album&album_id=1792248374131965
Videos:
*https://www.facebook.com/UFRJ.MediaLab/videos/1786704534686349/
*https://www.facebook.com/UFRJ.MediaLab/videos/1786675101355959/
*https://www.facebook.com/UFRJ.MediaLab/videos/1786721951351274/
Muito obrigado Lori Regattieri e Anna Bentes pelos registros!