Controvérsia: Patentes de invenção e monopólio
Na Folha de S.Paulo deste domingo, 7 de março de 2010, foi publicado um artigo da ministra e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ELLEN GRACIE NORTHFLEET, que apresenta uma importante controvérsia sobre as novas fronteiras da propriedade intelectual. Como o assunto é de interesse geral para os temas pesquisados, registramos a matéria.
Fonte: Folha de S.Paulo – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0703201008.htm
Patentes de invenção e monopólio ELLEN GRACIE NORTHFLEET
LOGO CHEGARÁ ao Brasil um assunto que suscita grande interesse nos meios jurídicos e econômicos norte-americanos. A Suprema Corte prepara-se para decidir um caso que deverá dar conformação nova à proteção que tradicionalmente é conferida à propriedade intelectual, redefinindo aquilo que pode ou não ser objeto de patente de invenção.
Dois empresários, Bernard Bilski e Rand Warsaw, requereram o registro de patente de um método pelo qual as empresas, os particulares e inclusive os fornecedores poderiam elaborar previsão mais acurada dos custos de energia, até mesmo em condições de variações climáticas extraordinárias.
A negativa desse registro pelo Departamento de Patentes e Marcas Registradas desencadeou a ação que agora alcança o mais alto grau de jurisdição.
O direito de requerer uma patente de invenção está previsto na Constituição norte-americana, que estabelece a proteção de autores e inventores de modo a “promover o progresso da ciência e das artes”, atribuindo-lhes o monopólio da exploração comercial como forma de retribuição de sua iniciativa e criatividade. Essa proteção deve prevalecer durante um período limitado de tempo, após o que a invenção cai no domínio público.
No entanto, algo que, em sua origem, foi altamente positivo, estimulando efetivamente a inovação, tem assumido em tempos recentes aspectos abusivos, como é o caso de patentes novas requeridas tão somente para prorrogar o monopólio de produtos farmacêuticos meramente “maquiados”, aos quais nada de efetivamente novo foi agregado.
Além disso, inicialmente os pedidos diziam respeito a objetos tangíveis, tais como novas máquinas ou componentes químicos. Ao longo do tempo, todavia, as regras relativas ao que poderia ser patenteado passaram a incluir cada vez mais métodos de trabalho abstratos (“business methods”) -vale dizer, maneiras novas de realizar determinada tarefa.
O divisor de águas ocorreu em 1998, numa decisão da US Court of Appeals for the Federal Circuit (a única corte federal de apelação com competência sobre matéria de patentes). Nela ficou estabelecido que um método para processamento de dados referentes a fundos mútuos de investimento poderia ser patenteado.
A solução dada ao caso State Street Bank vs Signature Financial Group resultou na expedição de milhares de patentes relativas a métodos de trabalho. O “Financial Times” rotulou essa onda de deferimentos de “pandemia de patentes”.
No caso Bilski, entretanto, o Departamento de Patentes denegou o registro e o mesmo tribunal (US Court of Appeals for the Federal Circuit) manteve essa negativa ao afirmar que as patentes devem estar “vinculadas a alguma máquina ou aparato determinado” ou transformar algo “em outra coisa ou alterar-lhe o estado” (“”machine-or-transformation” test”).
O caso despertou enorme interesse e perto de 70 “amici curiae” (terceiros sem interesse direto no desate da controvérsia, mas, sim, no esclarecimento da matéria) apresentaram memoriais à Suprema Corte. Entre eles, Microsoft, Google, Bank of America, inúmeras universidades e associações dedicadas ao direito da propriedade intelectual.
Empresas de biotecnologia, a indústria farmacêutica e outros que utilizam tecnologia de ponta advogam uma interpretação ampliada da lei, para que ela abranja os instrumentos de engenharia financeira e outros métodos em desenvolvimento. Mas há também quem pense que já é hora para que a Suprema Corte desestimule a corrida por patentes em áreas em que elas não são necessárias, como no caso de meros métodos de trabalho.
A inclinação do tribunal nesse sentido pareceu ficar evidenciada nos questionamentos feitos ao advogado dos requerentes pelos ministros, durante a sessão de 9/11/09.
O ministro Antonin Scalia sugeriu que, a partir do raciocínio defendido pelos autores, dever-se-ia conceder patente a quem escrevesse um livro sobre “o método de fazer amigos e influenciar pessoas”. O ministro Stephen G. Breyer fez o auditório cair na gargalhada quando indagou se, de acordo com os mesmos parâmetros, seu método infalível de ensinar as sutilezas da Lei Antitruste, evitando que 80% dos alunos dormissem em sala de aula, também seria patenteável.
Raras vezes uma obscura questão de patentes desperta tanta atenção, afirma a professora Pamela Samuelson, da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, Berkeley. E o professor John F. Duffy, da Faculdade de Direito da Universidade George Washington, por sua vez, considera essa a questão do século em matéria de direito de patentes, reporta John Schwartz, do “New York Times”.
Aguardemos os resultados, pois eles certamente terão reflexos em outras jurisdições e no comércio internacional de bens imateriais, a grande “commodity” do século 21.