Entrevista [agora publicada] sobre Marco Civil
Entramos numa fase decisiva para a aprovação do Marco Civil da Internet. Para informações atualizadas sobre o processo de votação e formas de ajudar na mobilização veja aqui: http://marcocivil.org.br/
Há duas semanas, recebi de um jornalista da Revista Nova Escola, do grupo Abril, uma solicitação de entrevista sobre o Marco Civil, para explicar a seus leitores sobre as polêmicas e debates envolvidos na sua aprovação. Recebi algumas questões por email e as respondi.
Como a entrevista até agora não foi publicada, e nem recebi nova resposta do jornalista, resolvi publicar aqui a resposta que enviei para a revista. Afinal, amanha pode ser tarde demais…
[veja atualização nos Comentários. A entrevista foi publicada]
——– Mensagem original ——–
Assunto: | Re: Pedido de entrevista – site NOVA ESCOLA |
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Data: | Fri, 15 Nov 2013 23:12:31 -0200 |
De: | Henrique Parra <opensocialsciences@gmail.com> |
Para: |
caro,
segue uma breve resposta abaixo.
– O que é o Marco Civil da Internet?
É um Projeto de Lei que contém um conjunto de princípios e regras; um marco legal no âmbito nacional que objetiva definir direitos e deveres para os vários atores envolvidos no uso e no funcionamento da Internet (desde direitos/deveres dos usuários/internautas até regras para a operacionalização da rede por empresas). Em sua versão original surge de uma ação conjunta do Ministério da Justiça e diversas associações da sociedade civil, criando o maior e mais aberto processo de consulta pública para sua elaboração.
– Como a sua aprovação pode interferir no dia a dia do internauta?
Na ausência de uma legislação específica o internauta e as empresas do setor ficam expostos à insegurança jurídica e também ficam sujeitos à ações arbitrárias dos atores envolvidos no funcionamento da internet. O Marco Civil da Internet visa garantir novos direitos ao usuário na era digital, determinando direitos, deveres e responsabilidades. Alguns exemplos: você possui um blog sobre educação que aceita comentários de usuários; um usuário desconhecido posta uma mensagem pública com conteúdos ilegal numa página do seu blog. Quem é o responsável? Você que administra o blog, a empresa que hospeda o site, o internauta que postou o conteúdo? Outro caso, eu faço uma assinatura de internet banda larga para minha casa (é importante lembrar que todos esses serviços são privados e operados por empresas) e costumo usar bastante o Skype (ou outros softwares de Voz sobre IP, VoIP) para me comunicar com minha familia que mora longe. Porém, esta empresa que fornece a conexão tem interesse em que eu utilize mais o telefone e menos o Voip. Como ela controla meu acesso à internet ela é capaz, tecnicamente, de interferir no tráfego de dados de voz, tornando ruim minha conexão via Voip. Como impedir que isso aconteça?
– Por que outros países do mundo estão de olho na aprovação do marco?
Há outros países que já possuem leis específicas para a Internet. O caso brasileiro é emblemático por algumas razões: o processo de elaboração do Marco Civil, em sua versão original, é considerado inovador do ponto de vista da participação democrática; em segundo lugar, o Brasil vem ganhando maior destaque no cenário internacional, tornando suas ações de maior relevância e impacto político; em terceiro lugar, após dois anos de elaboração do Marco Civil ele é finalmente enviado ao Congresso para votação, justamente no contexto de gravíssimas denúncias no cenário internacional relativas às programas de vigilância e espionagem dos serviços de inteligência do EUA e países parceiros, contribuindo para a percepção de urgência de leis que promovam a garantia dos direitos dos cidadãos e de empresas em território nacional.
– Há chances de o projeto atual ser alterado antes de entrar em vigor?
Sim. Ha muitas pressões e disputas, em especial de grandes empresas de telecomunicações, de empresas produtoras de conteúdos, do capital financeiro, entre outros. As mudanças propostas por esses grupos econômicos estão orientadas para fortalecer exclusivamente seu modelo de negócio, ameaçando o bom funcionamento da internet e os direitos dos usuários.
-Quais mudanças trariam mais benefícios aos usuários de internet?
Neste ponto, o documento do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI) dá uma ótima síntese de alguns pontos que devem estar presentes e garantidos no Marco Civil da Internet:
-Defesa da neutralidade da rede (veja abaixo);
-Proteção da privacidade dos usuários; inimputabilidade
-Inimputabilidade da Rede: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os
responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos.” (sugiro, alias, uma rapida leitura no documento do CGI: http://pimentalab.milharal.org/files/2013/09/CGI-e-o-Marco-Civil.pdf )
– O que é a “neutralidade da rede”? Por que ela é polêmica?
O conceito de neutralidade da rede pode ser assim resumido (segundo feliz expressão de Carlos Afonso): “todos os dados são iguais perante a rede”.
A Internet é uma rede de redes. Quando falamos da Internet é preciso ter em mente que ela existe e funciona como um sistema complexo formado por diversas camadas: desde cabos submarinos, satélites, empresas que fazem o serviço de conexão (que oferecem o acesso à internet domicilar), empresas que oferecem conteúdos, hospedagem de sites, registro dos domínios etc. Quando acesso à internet com meu computador e visito um site qualquer, um longo caminho é percorrido, passando por diversas camadas físicas (cabos, roteadores, satélites etc) e lógicas (softwares que gerenciam a informação e que fazem a interface entre máquinas-máquinas e máquinas-humanos). Frequentemente, temos empresas distintas que são proprietárias de cada uma das partes deste processo de comunicação. O conceito de neutralidade significa que a rede (no funcionamento de todas as suas camadas) deve ser “indiferente” com relação aos dados que trafegam nela. Ou seja, não importa se os dados que estão trafegando são de uma pessoa ou instituição, se vem de um país e vão para outro, se são comerciais ou se são não comerciais. Eles devem ser tratadas da mesma maneira. Imagine se uma empresa que é detentora dos serviços de conexão doméstica tem interesses conflitantes com uma empresa de conteúdo jornalistico e resolve filtrar o acesso de todos os seus clientes fazendo com que o acesso àquela site jornalístico seja dificultado? Em suma, o princípio de neutralidade é fundamental para que a Internet funcione como foi concebida: como um ambiente de livre fluxo de informação independente da origem, destino, conteúdo, autoria, se comercial ou não-comercial, se estatal ou privado etc. Criar mecanismos legais que garantam a neutralidade é também uma forma de garantir melhores condições de inovação, de liberdade de expressão e de oportunidades mais equilibradas entre diferentes atores sociais, protegendo as condições de comunicação do arbítrio, do poder econômico ou político daqueles que estão em posições privilegiadas de controle da rede.