Participação política: sujeição social e servidão maquínica
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Hoje, é importante mas não suficiente a luta pela superação do modelo de democracia representativa em vigor, das relações personalistas e espetaculares na política, do poder das corporações e do capital financeiro, das máquinas partidárias e midiáticas, para ir além do conflito dicotômico “não vai ter golpe” X “impeachment”. Ao mesmo tempo, é igualmente necessário superar as práticas de democracia participativa que, a despeito do convite à abertura e à inclusão cidadã, já definem de antemão os lugares e funções a serem desempenhadas.
Analogamente ao capitalismo contemporâneo, tal modelo de participação sabe muito bem conjugar os modos de sujeição social e de servidão maquínica. Na sujeição social somos sempre inscritos sob uma identidade, um “eu” a partir do qual um categoria política de pertencimento define a medida e a função que podemos estabelecer com os objetos (o limite de um direito, o valor do trabalho, o peso de nossos votos etc). Na servidão maquínica, de maneira complementar, participamos do processo como peças numa máquina em que a própria distinção sujeito-objeto, produtor-consumidor, já não faz mas sentido. Nesta segunda dimensão, nossas ações, nossos afetos, cognição, conhecimento, relações…são postas a trabalhar para a mesma máquina de produção de valor (seja de capital, seja de legitimação política), sem que sejamos propriamente “singulares”. É algo de nosso ser pré-individual e supra-individual que participa da servidão maquínica para, uma vez engajado e produtivo, ser novamente capturado (agora como indivíduo) pela sujeição social.
Talvez o mais difícil seja justamente superar esta nova forma de poder e condução da vida.
Produzir uma nova subjetivação política exige que sejamos capazes de reconhecer e reconfigurar este agenciamento maquínico. Se, desde o início, as ações foram inscritas na articulação dessa dupla dinâmica (sujeição social e servidão maquínica), muito dificilmente ela será capaz de transbordar. Os novos sujeitos políticos não surgem ali onde o espaço e as funções estão programadas. É por isso que nos ultimos tempos sempre fomos surpreendidos pela força política que brotava de onde ninguém esperava.
“Desejar significa agir longe do equilíbrio” (Lazaratto). Felizmente, não somos capazes de programar onde ele irá emergir. O melhor que se pode fazer (nesta parcial perspectiva de ação) é, talvez, multiplicar as situações onde ele seja mais possível, de forma que as potências liberadas da servidão maquínica não sejam recodificadas e reterritorializadas pela sujeição social e possam, noutra direção, ensejar individuações mais emancipatórias.
Estruturas verticais, vanguardas ou celebridades não vão convocar a multidão. No melhor das hipóteses, só as massas responderão. Claro, no contexto atual, as massas estão sendo convocadas para barrar o golpe político em curso, e isso parece ser uma parte importante do processo. Todavia, acreditar que o jogo possa se resumir a esta forma de conflito, pode significar a perda de uma oportunidade histórica de invenção democrática.